terça-feira, 28 de outubro de 2008

Serviço Social e sistematização da prática: elementos de discussão

Serviço Social e sistematização da prática: elementos de discussão
Profa. Dra. Isabela Sarmet de Azevedo



I-Introdução
Faz parte dos objetivos desta produção, situar o significado sócio-histórico do instrumental técnico-operativo do Serviço Social, pela adoção de uma perspectiva analítica, histórica e teórica, que permita apreendê-lo na sua condição de parte da intervenção do Serviço Social nas relações sociais e não como um arsenal de instrumentos e técnicas aplicáveis de forma padronizada.
Enquanto professora da disciplina de Instrumentos e Técnicas no Departamento de Serviço Social de Campos, do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense, desenvolvemos, nos últimos anos, atividades de Assessoria ao Trabalho do Assistente Social, juntamente ao Conselho Regional de Serviço Social, Seccional Campos.
Atendendo às demandas da categoria profissional de nossa região, temos observado as dificuldades que alunos e profissionais de Serviço Social têm no sentido de explorar os instrumentos e as técnicas. Isso se deve, entre outras coisas, ao fato de que é intrínseca relação destes com as relações constituintes e constitutivas do Serviço Social.
Neste semestre, dando vigor as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade, introduzimos projetos que permitem resgatar, no âmbito da formação profissional, a dimensão técnico-operativa do Serviço Social. Estamos nos referindo ao projeto de pesquisa, denominado Desvendando instrumentos e técnicas no Serviço Social: a adoção de uma política de trabalho e a garantia de um serviço público de qualidade e ao projeto de extensão, intitulado Legislação social, políticas públicas e exercício profissional: estudo para concursos públicos e atividades de assessoria para fins acadêmico-profissionais. Tais projetos compõem a estrutura das atividades oferecidas pelo Grupo de Assessoria ao Trabalho do Assistente Social – um grupo que vem oferecendo atividades de capacitação aos profissionais de Serviço Social, já há alguns anos, também em parceria ao Conselho Regional de Serviço Social/Seccional de Campos.
Essas atividades respondem às demandas evidenciadas e, convida-nos, de um lado, a um mergulho na história de nossa profissão – o que explica a razão pela qual os instrumentos e técnicas foram, pouco a pouco, negligenciados no debate contemporâneo da profissão – e, de outro lado, a necessidade de assessorar os assistentes sociais já formados e em formação, para que assumam a apropriação teórico-prática da legislação social – que regulamenta o conjunto dos direitos e deveres de cidadania – no âmbito das políticas públicas e sociais, identificando-os, bem como os modos pelos quais podem ser acessados, dando visibilidade, em suas práticas e registros, às possíveis violações cotidianas e os recursos cabíveis no âmbito institucional (nos Conselhos, no Ministério Público, na Defensoria Pública e outros órgãos de fiscalização e controle social).
É preciso ampliar o debate teórico-metodológico do Serviço Social no interior da tradição marxista, num esforço para romper com a herança pragmática e empiricista que permeia o entendimento da técnica no debate profissional, lembrando que nenhuma técnica se define fora de um contexto histórico e de uma opção teórico-metodológica.
Ainda é corrente, entre segmentos conservadores e núcleos da categoria profissional, a tentativa de desqualificar as propostas oriundas desta perspectiva [intenção de ruptura] com a “argumentação” de que são frutos de atividades “estranhas” às “práticas de campo” do Serviço Social. Aqui, mais que em qualquer outra situação, retoma-se o velho refrão segundo o qual, na “prática”, a “teoria” é outra. (Netto, 1990, p.249).

A técnica é a utilização de um saber e não um instrumento auxiliar, neutro, deslocado de um contexto sócio-histórico. Ela é “teoria em atos”, em movimento, que não pode ser vista sob a ótica marcadamente voluntarista, desprovida de um saber teórico.
Os instrumentos são construídos de acordo com as finalidades e o modo de pensar e agir do profissional. Para Santos (2006), há uma especificidade no uso dos instrumentos pelo Serviço Social, a qual precisa ser definida, pensada e trabalhada pelo conjunto da categoria profissional. E ela envolve objetivos, princípios, objetos, demandas e direção social.
A instrumentalidade significa o conteúdo que antecede a escolha dos instrumentos e técnicas e responde as seguintes questões:

O que fazer?
Onde fazer?
Por que fazer?
Para que fazer?
Como fazer?


A instrumentalidade sofre determinações da dinâmica social da qual emergem as demandas para as instituições nas quais trabalha o assistente social.
Assim, o estudo dos instrumentos e técnicas não limita o instrumental à condição de repertório interventivo, a um rol de instrumentos e técnicas que seriam suficientes para a eficácia da ação. Nossa perspectiva teórica aponta a insuficiência de uma visão de instrumental técnico-operativo restrito à habilidade e ao manejo desse repertório, pois esta é uma concepção que isenta o instrumental de suas relações mais amplas.
As técnicas não são portadoras de uma capacidade imanente para alcançar determinados resultados, pois são mobilizadas a partir das finalidades postas em face da realidade a ser transformada. Elas não trazem em si uma dinâmica de aplicação que, se seguida á risca, proporciona a consecução daquilo que foi planejado.
Nesse sentido, o presente material didático tem o objetivo de não só discutir a sistematização da prática, mas, fomentar novas posturas ético-políticas e teórico-metodológicas diretamente relacionadas à operacionalidade do Serviço Social.

I-O Serviço Social e a sistematização da prática:

Trata-se, na verdade, de um esforço crítico, de natureza teórica, sobre a condução da atividade profissional, constituindo-se como um esforço problematizador sobre suas diferentes dimensões em relação às expressões cotidianas da realidade social, mediatizadas pelas políticas sociais, pelos movimentos sociais, pela forma de organização do trabalho coletivo nas instituições e, sobretudo, pelas disputas societárias. (Almeida, 2006, p.403).



O assistente social atua no campo das necessidades sociais, que se transformaram, ao longo da história, em dimensões da questão social, tais como se manifestaram na sociedade capitalista, como expressões das desigualdades econômicas, políticas, culturais e sociais. Nesse sentido, atingiram “visceralmente a vida dos sujeitos numa ‘luta aberta e surda pela cidadania’ (Ianni, 1992), no embate pelo respeito aos direitos civis, sociais e políticos e aos direitos humanos” (Iamamoto, 2005, p.19).
A natureza do trabalho do assistente social é marcada pela sua inserção nas instituições prestadoras de serviços sociais, vinculados às políticas sociais, onde se volta à regulação das relações sociais e não diretamente à produção material.
O trabalho profissional do assistente social cria as condições necessárias ao processo de reprodução social, uma vez que incide sobre as condições de vida dos trabalhadores (através de bens e serviços complementares à sua sobrevivência); produz efeitos ideológicos que reforçam ou não a aceitação das condições de compra e venda da força de trabalho e atende às necessidades de normatização e controle dos comportamentos sociais.
Ao longo de sua história, o Serviço Social tem conseguido forjar um conjunto de procedimentos de registro e avaliação de suas atividades, desde relatos de suas abordagens individuais ou grupais até reuniões de equipe, se ocupando de produzir informações e organizar processos em que a sua prática pudesse ser objeto de reflexão.
Embora fosse regular o procedimento de registrar dados, não houve a construção de uma cultura profissional alimentada por atividades investigativas, com sistematização do trabalho no Serviço Social.
Para Almeida (2006, p. 401), os procedimentos de registro acabam por configurar a burocracia institucional onde atua o assistente social e as reuniões de equipe carecem de objetividade, porque estão ausentes os instrumentos necessários aos processos de reflexão e avaliação do trabalho.
Sabemos que políticas, estratégias, diretrizes (princípios normativos que dão unidade à ação, englobando diferentes aspectos que compõem o trabalho) e prioridades institucionais estão, a todo o momento, se plasmando na demanda que recebemos, mas esta somente existe porque uma problemática desafia a ação institucional, e está inscrita no campo das questões mais amplas da conjuntura municipal, estadual, nacional e internacional. Não podemos desprezar, no entanto, que a demanda institucional também é determinada historicamente pelos modos de ser e de aparecer das relações na sociedade capitalista, que tem particularidades à brasileira, que se expressam de muitas formas: “jeitinho brasileiro”, “toma-lá-dá-cá”, “política do favor e do compadrio”, do “você sabe com quem está falando?” etc.
Em vista disso, as normas institucionais têm um sentido e uma finalidade, não sendo procedimentos descritivos apenas do modo de funcionamento da organização. Elas fundamentam e sustentam, por assim dizer, uma determinada ideologia (que, como sabemos, oculta e dissimula a realidade dos fatos, contribuindo para determinadas formas de dominação, quando não desvendadas e problematizadas pela reflexão cotidiana). Portanto, não podemos ignorar que os procedimentos, os dispositivos e o discurso desses dispositivos não se separam da maneira como são vividos pelas pessoas e dos valores com os quais elas estão engajadas e comprometidas. Ou seja, os dispositivos operacionais se vinculam à ideologia, como forma das pessoas interiorizarem determinadas condutas, as legitimando, bem como aos princípios que as regem.

(...) tem-se claro que as normas institucionais são construídas e operadas pelos sujeitos, portanto, nem sempre assimiladas e assumidas da mesma forma – elas podem ser aprofundadas ou subvertidas: relações independentes das formais podem ser estabelecidas, trabalhos alternativos podem emergir dentro da instituição e, por sua competência, constituir grupos de referência que a ultrapassem.
Nesse sentido, é fundamental analisar a dinâmica interna e a estrutura das relações da instituição na qual se opera o projeto. A análise da equipe – seus valores, suas características – irá permitir identificar situações que podem tanto potencializar o alcance de seus resultados. (Batista, 2003, p. 56)

Embora a leitura sobre a realidade seja o ponto de partida para subsidiar as decisões tomadas sobre as manifestações da questão social, canalizando as demandas da população para projetos, programas e planos no âmbito institucional, ainda não conseguimos algumas conquistas importantes como condições dignas de trabalho, para atender o nosso usuário com dignidade, que nos permitam construir vínculos de pertencimento e de reconhecimento civil, diante de sua problemática. Como formular o seu drama cotidiano em linguagem pública de direitos? Como fazê-los acreditar nas instituições, que os submetem a rituais vexatórios, que os expõem publicamente?
Por exemplo, num relatório ou parecer social, é preciso evitar juízos de valor que exponham os usuários, desnecessariamente, porque isso atenta aos princípios e diretrizes de nosso Código de Ética Profissional. É preciso lembrar que, no modo tradicional de se agir profissionalmente, perdia-se a referência concreta no sujeito – a população entrava como “usuária”, “demandante”, “clientela”, mas nunca como ser histórico. Agora, a população, em tese, é personagem central do processo, podendo inverter a tendência clássica à burocratização e ao conservadorismo das decisões. Portanto, qualquer entrevista, reunião, grupo, palestra, abordagem ou encaminhamento do Serviço Social deve procurar ser benéfica a essa população, não a julgando, nem a condenando por seus comportamentos alienados e alienantes, mas procurando despertá-la à reflexão sobre sua situação, através de formas menos destrutivas de se relacionar em sociedade.
Para lembrarmo-nos das nossas responsabilidades éticas, Portelli (1997, p.14) afirma: “Tenho um compromisso comigo mesmo de não usar o material da entrevista de formas que possam prejudicar a pessoa de quem o obtive, nem de a ela desagradar”. Quão grande sabedoria está contida nessas palavras, pois é preciso ter a vontade utópica e avontade de saber “como as coisas realmente são”, equilibradas por uma atitude aberta às muitas variáveis de “como as coisas podem ser”.
A inércia dos dados fichados se mistura ao intenso fluxo de informações e, longe de contribuírem para a qualificação dos serviços, parecem ser um “arquivo morto”. No entanto, nós sabemos que eles estão vivos e somente o contato entre o significado da linguagem das pessoas e a realidade concreta é que nos permite o acesso aos nexos de nossa intervenção, indo para além da prática instituída. Ter uma visão totalizadora da problemática que nós enfrentamos, organizando nossa rotina para, em algum momento do dia, pensar sobre o que estamos fazendo é fundamental nesse sentido.
Porém, não dispomos de computadores que nos permitam informatizar os dados contidos nas fichas dos usuários, que são fontes ricas de conhecimento, mas acabam “esquecidos” num arquivo, cuja organização não facilita muito o trabalho de sistematização, porque fichas antigas e atuais se misturam. A quem interessa isso?
A reflexão voltada, reiteradamente, aos dados coletados através de entrevistas, questionários e formulários pode nos conduzir à análise e ao estudo de alternativas, à superação e à reconstrução de conceitos e práticas de diferentes disciplinas, com a explicitação, quantificação e qualificação dos fatos sociais, sobre os quais precisamos projetar nossas ações.
Ao mesmo tempo em que refletimos, estamos decidindo, escolhendo as alternativas, determinando os meios através dos quais alcançaremos nossos objetivos e projeções, estipulando prazos para isso.
Quando “deixamos o barco correr”, não tendo clareza sobre onde começa e onde termina o que estamos fazendo e, simplesmente, não nos determinamos a fazer o que precisa ser feito: a execução das ações projetadas deve se operar em consonância com a reflexão e a decisão que tomamos, seguindo-se de uma nova reflexão sobre os processos e as conseqüências inscritas nas relações de poder, com vistas à sistematização da prática, à luz de uma teoria que a ilumine os caminhos.

I-Desvendando instrumentos e técnicas no Serviço Social: a adoção de uma política de trabalho e a garantia de um serviço público de qualidade.

A transgressão aqui é apreendida como o movimento dialético que compreende o verso e o reverso, a negociação e a luta, avanços e recuos, e não uma visão singularizada da prática social. O que se espera é uma apreensão do caráter contraditório da ação entre o assistente social e a população, na medida em que a sua prática é polarizada por interesses de classe, o que faz da instituição um “palco da luta de classes. (Veloso, 1995).

Há confrontos e diferentes maneiras de enfrentá-los no âmbito institucional. É preciso reconhecer as forças sociais que polarizam o nosso projeto, mas que isso não nos gere imobilismo. Podemos fazer um estudo reiterado e crítico das práticas cotidianas, encontrando o fio condutor para novas práticas. Embora isso não seja permitido institucionalmente, precisa ser conquistado profissionalmente, cotidianamente.
Esta conquista se materializa pela documentação, não a institucional (para quem só se importa com as estatísticas), mas a feita pelo profissional, que lhe permite o registro da ação desenvolvida, através de relatórios descritivos (e não sintéticos1) das entrevistas, das reuniões, visitas, abordagens, encaminhamentos e outros instrumentos desenvolvidos na relação com os usuários, com a instituição onde se trabalha e com as outras com quem estabelece possíveis parcerias. Um diário de observações (ou caderno de campo) poderá ser rico para avaliações subseqüentes, e não deve ser deixado à vista de outros profissionais, mas mantido em sigilo, como modo de preservar-se nessa relação institucional.
Segundo Mioto (2001, p.146), o assistente social que realiza um estudo social, o faz, em geral, por solicitação de outros profissionais ou autoridades das mais diferentes áreas (como os do Ministério Público, por exemplo) e o utiliza como um instrumento para conhecimento e análise da situação vivida por determinados sujeito ou grupo de sujeitos sociais, para finalmente emitir uma opinião técnica a respeito.
O estudo social consiste, portanto, na articulação de vários instrumentos, a saber: a entrevista (individual ou coletiva), a observação, a visita (domiciliar ou institucional) e a análise de documentos.

Todo o processo de abordagem dos sujeitos (entrevistas, observações, análise de documentos) deverá ser documentado, preferencialmente por meio de relatórios descritivos e de outras formas de observação (quadros, diários de campo). A documentação constitui a base para a efetivação da análise da situação e da elaboração do laudo social. (Mioto, 2001, p.154).

Os registros feitos devem ser apreciados sobre o ponto de vista da redação, da clareza e precisão dos argumentos, das referências que o profissional se apropria teórico-metodologicamente, na legislação social, institucional e/ ou profissional. É preciso verificar se o documento feito contém a inter-relação e coerência entre seus diferentes itens, se o que se prioriza na descrição e análise trata-se de um problema significativo (se realmente for, podemos explicar por que o é; e fazer uma oportuna abordagem sobre ele e apresentar a alternativas consistentes para o que está sendo abordado, com justificativas plausíveis para isso).

O trabalho de campo é um experimento de igualdade, baseado na diferença. É preciso “que sempre exista uma linha” de diferenças que, depois de transposta, torne-se plena de significado, mas é necessário que exista também uma “linha”, segundo a qual possamos comunicar o desejo de encontrar um terreno e uma linguagem comuns que possibilitem a troca. (Portelli, 1997, p.19).


Na maioria das vezes, esquecemo-nos que o poder, o status e o prestígio reais ou imaginários, oferecidos por nossa profissão interferem no desempenho do trabalho. Devemos criar um ambiente propício para que as pessoas possam se manifestar, respeitando seus próprios limites e possam tomar suas próprias decisões. Não conseguiremos isso ignorando as diferenças que nos tornam desiguais, nem paternalisticamente, simulando uma igualdade que inexiste.
Para Sarmento (1994), os assistentes sociais são entrevistadores por excelência. Isso quer dizer que, quando entrevistamos, mantemos um contato pessoal, de caráter confidencial com o usuário, visando acumular dados e informações que, quando sistematizados, poderão subsidiar estudos, elaborações e procedimentos que sirvam de apoio ao enfrentamento da questão social, no campo das políticas públicas e sociais.
Há aí uma clara relação entre o assistente social e o usuário, envolvendo aspectos objetivos e subjetivos. Esses aspectos contextualizam a situação do usuário, compreendendo as relações que envolvem sua realidade, bem como a situação particular que gerou a necessidade da entrevista. Portelli (1997, p.21) afirma que quase todas as pessoas são suficientemente perspicazes para discernir quando alguém está tentando seduzi-las ou usá-las.
A abordagem ética ou cortês é cientificamente compensadora: boas maneiras e respeito pessoal constituem um bom protocolo para trabalho de campo. Se ouvirmos e mantivermos flexível nossa pauta de trabalho, a fim de incluir não só aquilo que acreditamos querer ouvir, mas também o que a outra pessoa considera importante dizer, nossas descobertas sempre vão superar nossas expectativas.
Mostre-se aberto, fale sobre você, responda a perguntas (se as fizerem). Por que devo eu esperar que os outros falem de sua vida se eu não me mostro disposto a contar algo a respeito da minha? (Idem, p.22)

O assistente social, através da entrevista, tem o objetivo de abordar o sujeito envolvido numa situação sobre a qual ele, enquanto profissional, tem que emitir um parecer e decidir sobre o acesso a um recurso institucional. Como esta relação envolve poderes e saberes diferenciados, o assistente social deve se preparar a entrevista, a fim de que o usuário configure a relação ali instituída, do modo menos diretivo possível. Isso não quer dizer que, a todo tempo, diremos ao nosso interlocutor que ele tem sempre a razão. Essa é a pior forma de paternalismo. Nas entrevistas ou nas abordagens informais, podemos com tranqüilidade indagar – “você tem certeza?” – ou afirmar – “não sei se concordo com você”, “outras pessoas já me deram versões diferentes desse episódio”. Essas contradições, quando num contexto de uma entrevista, abordagem ou reunião, se feitas de forma polida e bem-educada, podem dar lugar a comentários mais longos, com explicações e análises que, em outras circunstâncias, não teríamos conhecimento; ou podem fazer com que o interlocutor sinta-se valorizado na diferença do seu ponto de vista.
Pode existir uma incompatibilidade entre diferentes interpretações. Embora não tenhamos a obrigação de relatar com a maior fidelidade possível as palavras que os entrevistados realmente proferiram, a responsabilidade que temos em relação a eles não significa estarmos sempre de acordo com o que dizem. (Portelli, 1997, p.27)


Cabe ressaltar que, segundo Mioto (2001), as entrevistas poderão ser realizadas individualmente ou com grupos de sujeitos (um casal, uma família, o pai com os filhos), chamadas de entrevistas conjuntas, onde é possível observar e fazer o estudo direto das tramas concretas presentes entre eles e permitindo uma apreensão da dinâmica e da estrutura das relações das famílias e entre determinados membros da família.
Além de viabilizar o encontro dos sujeitos envolvidos direta ou indiretamente na situação, as relações estabelecidas durante a entrevista poderão gerar material relevante para o conhecimento da situação. Segundo Portelli (1997, p.25), muito do que acontece na mente das pessoas, em termos de sentimentos, emoções, crenças, interpretações e, por esse motivo, até mesmo erros, invenções, mentiras constituem à sua maneira, áreas onde se encontra a verdade.
Quanto ao aspecto técnico, vale ressaltar que o profissional precisa de habilidade para saber iniciar, desenvolver e concluir uma entrevista ou qualquer outro procedimento de intervenção. Técnica é algo que se adquire com o passar do tempo, com a prática e com a experiência, mas é algo que não dispensa a teoria. Há o momento certo de fazer ou não determinadas perguntas; há o momento certo de tomar notas.
Quanto a este último ponto, o ideal é, no início de uma entrevista, tomar nota sobre alguns dados pessoais do usuário e ao término desta, quando necessário. Durante a entrevista, deve-se prestar toda atenção no sujeito que a demanda, suas razões, seus sentimentos e atitudes diante das dificuldades, afinal, para ser assistente social é preciso ter um conhecimento sobre a natureza humana (Sarmento, 1994, p.284).
A entrevista utilizada pelo profissional de Serviço Social serve para a obtenção de dados e o conteúdo desta entrevista compõe o processo de diálogo e reflexão estabelecido entre o usuário e o assistente social, sendo, portanto, fundamental para o estudo e o encaminhamento da situação na qual se encontra o sujeito entrevistado. “O pesquisador pergunta e retém seu ponto de vista, e deixa o pesquisado livre para organizar sua resposta” (Delhomme & Meyer, 2002, apud Nunes, 2005, p.208).
Visamos com esse tipo de entrevista acessar o que a pessoa pensa, sente, suas intenções, comportamentos e atitudes, o que ela traz em mente sobre diversos temas, que são significativos e passíveis de serem conhecidos e explicitados (Patton, 1986, apud Nunes, 2005).
Algumas táticas (meios) de entrevista podem ser vislumbradas em nossa ação profissional. A entrevista feita para a coleta de dados e informações é mais formal sistematizada, com um roteiro objetivo, num tempo delimitado (geralmente pelo fluxo das instituições) e há um aprazamento (marcação de entrevista). Já a entrevista de cunho terapêutico é uma conversação mais espontânea, onde não há delimitação de tempo e ocorre uma cartase (desabafo).
A tarefa do assistente social, durante a entrevista, consiste em produzir o máximo de informações relevantes, mantendo o relacionamento profissional no melhor nível possível – proporcionando um ambiente agradável para que o entrevistado se sinta à vontade.
Aquilo que realmente restituímos é uma oportunidade para as pessoas com quem conversamos organizarem seus conhecimentos com maior clareza: um desafio para aumentarem sua consciência, para estruturarem aquilo que já sabemos – processo que começa com a entrevista e continua, à medida que se defrontam com nossas conclusões. Esse processo ocorre mais nas mentes das pessoas do que nos arquivos. Nossa primeira responsabilidade no tocante à restituição é com nosso próprio desenvolvimento e aquele das pessoas com quem encetamos um diálogo, iniciando-se concomitantemente à entrevista. Restituição significa mais do que a devolução de materiais; também se faz necessária, a fim de propor um discurso experimental, uma possível organização, uma gama de interpretações. (Portelli, 1997, p.29-30).

Porém, o que se observa nos bastidores da prática, afirma Veloso (1995), o assistente social tem um papel ativo, já que detém os dados informativos, em contraste com uma posição pouco participativa da população usuária, que ora aparece como respondente das perguntas que lhe são feitas, ora como mera expectante do discurso informacional que lhe é transmitido via ação educativa, através de palestras ou reuniões. Isso imprime um caráter burocratizante e repetitivo a tal ação, desconsiderando a dimensão subjetiva e qualitativa do fazer profissional.
É comum instaurar-se um mecanismo de compulsoriedade à rotina dos serviços institucionais, mediante a passagem obrigatória da população pelo Serviço Social. Nesse contexto impositivo, afirma Veloso (1995), a entrevista de rotina do Serviço Social vem se tornando um espaço desagradável, quando não se resvala para a inconveniência da “invasão de privacidade” da população.
Muito raramente perguntamos ao usuário o que ele pensa sobre a normatização da instituição em que trabalhamos, sobre a entrevista que irá participar e lhe damos esclarecimentos precisos, no que diz respeito aos objetivos profissionais do Serviço Social – o por que, o para que e a quem serve essa entrevista. Há o perigo da entrevista se transformar num interrogatório, de feição policialesca, durante a qual se vasculha a vida pessoal e privada dos sujeitos (Veloso, 1995).
Um questionário fechado, com perguntas objetivas sobre as condições de vida e de trabalho dos usuários - através da coleta de informações meramente quantitativas – inibe a possibilidade de respostas e dificulta o aprofundamento de temas por parte do entrevistado.
Nem sempre fica claro para a população quais são os objetivos desse tipo de entrevista/ interrogatório realizada pelo Serviço Social. Segundo o Art.5º do Capítulo I do Código de Ética Profissional, é dever do assistente social, na relação que mantém com o usuário, esclarecer, no início do trabalho, quanto aos objetivos e a amplitude de sua atuação profissional. Há que se assegurar ao usuário o direito de escolha sobre se quer participar ou não dessa relação que deve ser democrática, entendida como a possibilidade de se trabalhar com e na diferença e não através de uma prática impositiva e autoritária por parte do profissional. (Veloso, 1995).
Há aquele tipo de profissional arrogante, que acredita-se possuidor de uma pseudo-superioridade teórica e política, que atribui a si mesmo o dever de propagar a verdade, de levar a “boa nova ao povo”. Nesta ótica atrofiada, o povo aparece como mero objeto passivo de sua ação profissional de vanguarda.
Segundo Veloso (1995), há na relação entre o profissional e a população algumas distinções importantes, a saber:
Diferentes níveis de representação do real;

Diferentes formas de consciência social;

Uma relação entre sujeitos que atuam em contextos históricos determinados;

Processos que entram em jogo na constituição do sujeito e de sua linguagem (sua interpelação pela ideologia).


Cabe ao assistente social, na condição de sujeito portador de poder (pelo lugar que ocupa na instituição), de um discurso (fruto de sua visão de mundo), veiculado através da linguagem, assumir uma atitude de auto-questionamento constante na relação que estabelece com a população usuária dos serviços sociais.
Numa relação profissional, estão em jogo seus interlocutores, a situação e o contexto sócio-histórico e ideológico. Há, portanto, uma pluralidade de discursos e práticas profissionais.
As ações educativas estão se transformando, segundo Veloso (1995), num regime de procuração e tutela, na medida em que os termos operacionais, as teorias nas quais se assentem o discurso profissional são apenas confirmadas e jamais refutadas.
É preciso assegurar a veiculação das mais diversas ideologias e culturas sobre o objeto da ação educativa. Essa “escuta”, “esse saber ouvir”, é imprescindível no exercício profissional do Serviço Social, que se quer democrático e pluralista.
Ser acolhedor, cordial não é “ser bonzinho”, mas possibilitar a abertura do outro. É preciso tomar cuidado para não entrar demais na intimidade do usuário. É preciso manter o nível de relacionamento profissional, mas com um vocabulário acessível ao nível de entendimento do usuário. O verdadeiro serviço que prestamos a movimentos e indivíduos consiste em fazer com que sua voz seja ouvida, em levá-la para fora, em pôr fim a sensação de isolamento e impotência, em conseguir que seu discurso chegue a outras pessoas e comunidades (Portelli, 1997, p.31).
Cabe ressaltar, no entanto, que, ao longo de todo esse processo, devemos ter em mente o consentimento esclarecido, o direito à privacidade e a proteção do entrevistado contra danos (Denzin & Lincoln, 2003, apud Nunes, 2005, p.219).
“A divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa” exigem sua autorização, conforme consta no Código Civil, no item Dos direitos da personalidade. (Brasil, 2002). Também o Ministério da Saúde (Brasil, 1996) obriga a utilização do termo de consentimento em pesquisas envolvendo seres humanos.
Não se pode desconsiderar os diferentes espaços e situações em que se materializa a prática do assistente social. Também não se pode generalizar e universalizar a conduta profissional através da entrevista.
Para o usuário, a entrevista tem alguns custos, a saber: ter que se expor para pedir algo, estar inseguro (sentir-se humilhado, inferior em relação a quem pede), reviver algum momento traumático, podendo esquecer algum dado importante. Mas, por outro lado, há recompensas nesse encontro, tais como: ser reconhecido como pessoa com direitos (quando o assistente social sabe informá-los), ter expectativas preenchidas, ter a oportunidade de fazer uma cartase (um desabafo das dificuldades pessoais).
O importante é saber ouvir, saber perguntar, interpretar, conduzir a entrevista e fazer uma pausa para reflexão. Antes de iniciá-la, é preciso escolher os objetivos, o tempo destinado a ela, o local, a situação, com atenção a quem vai participar dela e qual é o papel desempenhado por cada um nessa relação. Preparada a entrevista, devemos nos apresentar, indicar o que a instituição pretende com esta entrevista, explicando qual é a sua finalidade, ou seja, o porquê esta pessoa vai ser entrevistada. A garantia do anonimato pode ser um importante elemento em certas incursões feitas pelo assistente social.
Há, portanto, condições a serem cumpridas ao longo da entrevista, a saber:
O entrevistado aceita responder às questões;

Compreende as questões;

Possui as informações ou é capaz de acessar a memória para obtê-las e está motivado;

Aceita responder e é capaz de responder no enquadre previsto pelo profissional.
As questões precisam ser livres de julgamento de valor ou de atribuição de causalidade e responsabilidade. Devem conter elementos que o pesquisado conheça ou se dirigir as suas opiniões, crenças, intenções comportamentais, ou ainda à declaração de comportamentos passados e atuais; podendo propiciar ao entrevistado uma auto-descrição ou recordações de fatos.
A formulação das questões deve obedecer às seguintes observações:
Frases curtas, claras, simples, com vocabulário preciso e adaptado ao nível de compreensão do entrevistado;

Que se formule uma questão de cada vez – mais de uma deixa o entrevistado sem saber a qual responder;

Cuidar para que a questão não seja tendenciosa, pois a resposta não permite, de fato, que se conheça a percepção, os pressupostos do entrevistado;

O uso de exemplos pode dificultar ao entrevistado que responda sem ficar preso ao conteúdo do exemplo;

Evitar o uso de termos técnicos, verbos negativos ou positivos, pois isso pode orientar a resposta;

Também ter o cuidado com palavras muito carregadas emocionalmente ou aquelas extremas “nunca”, “sempre”, “ninguém”.


A condução da entrevista requer o preparo, a colocação de cadeiras ou poltronas, nem muito perto nem muito longe.
Para motivar o entrevistado, pode se usar as seguintes táticas:

-Animar por gestos e expressões, tais como “hum, hum, sim...” e auxiliar a elaborar a verbalização: “E então?” ou “Há algo mais que você gostaria de dizer sobre isso?” Ou ainda: repetir, sem formular uma pergunta direta, expressões do entrevistado, de modo a fazê-lo continuar em sua narrativa.

-O entrevistado, por vezes, precisa recapitular parte do que falou, buscando esclarecimento sobre algo que não compreendeu ou que parece contraditório.

-É necessário saber quando mudar de tema.


Todas essas maneiras de conduzir a entrevista dependem da capacidade empática do próprio assistente social, que deve ainda tolerar silêncios, proceder com seu roteiro de forma sutil, sem que a entrevista se transforme num interrogatório. Precisa também de sutileza para checar incongruências, mantendo-se livre de fazer julgamentos sobre o entrevistado e o que ele veicula.
O assistente social deve estar atento aos pontos trazidos pelo usuário, mantendo-se capaz de ler nas entrelinhas, cuidando das incoerências, avaliando as respostas. Para finalizar, é conveniente perguntas ao entrevistado se ele deseja tratar de mais alguma coisa que pense e que não tenha sido trabalhada. E agradecer ao usuário pela sua participação.
Outro importante instrumento que acompanha a entrevista é a observação. Ela é utilizada para poder analisar, coletar, conhecer e reconhecer as diferenças e serve para:

-Para observar a vida do entrevistado em seu ambiente social, em sua interação com seus familiares ou pessoas do cotidiano;
-Para notar como o indivíduo entrevistado reage às perguntas, o tom de voz, as hesitações e as atitudes para com o entrevistador;
-Para observar se o entrevistado age realmente como diz ao entrevistador.

Para Mioto (2001), é importante observar:
-a pessoa antes do acontecimento;
-o acontecimento;
-voltar a entrevistar a pessoa após o acontecimento;
-a observação vai ser sempre seletiva e parcial;
-o assistente social é um observador participante, mas deve cuidar para que seus juízos de valor (seus preconceitos) não interfiram no andamento da entrevista ou do procedimento que desenvolve;
-a observação não pode estar em todos os ângulos possíveis e imagináveis.

Ao retomarmos os dados levantados numa entrevista, numa abordagem, reunião, grupo ou na execução de qualquer outro procedimento interventivo, num movimento de sistematização da prática, podemos ainda observar e analisar o modo como resiste a uma situação. Existem, é claro, “pistas não-verbais”. Nossas ações, freqüentemente, mostram nossa resistência:

-Mudar de assunto;
-Sair da sala;
-Ir ao banheiro;
-Chegar atrasado;
-Ficar doente;
-Adiar;
-Fazer qualquer outra coisa;
-Ocupar-se;
-Desperdiçar tempo;
-Desviar o olhar ou olhar para a janela;
-Folhear uma revista;
-Recusar-se a prestar atenção;
-Comer, beber, fumar;
-Criar ou terminar um relacionamento;
-Criar defeitos.


A partir daí, é preciso refletir sobre o que explica esse tipo de comportamento e ir ao encontro dos sujeitos para analisar, no caso concreto, o que está sendo vivenciado por ele e a forma como ele verbaliza isso. As respostas podem ser variadas e devem ser anotadas num caderno, a parte, logo após o encontro. Por exemplo, o sujeito pode afirmar sua resistência a uma dada situação, explicitando-a das seguintes formas: “não adiantaria nada”; “meu marido/mulher (pai, mãe, a sociedade etc.) não iria compreender”; “eu teria de mudar toda a minha personalidade”; “só gente louca vai a psiquiatras”; “eles não conseguiriam ajudar com meu problema”; “eles não saberiam lidar com minha raiva”; “meu caso é diferente”; “não quero incomodar ninguém”; “vai passar sozinho”; “ninguém consegue” etc.
Pode haver negação, enquanto mecanismo de defesa em relação a certas situações, como pode ser evidenciado em afirmações como: “não há nada de errado comigo (contigo)”; “não consigo fazer nada a respeito deste problema”; “deu certo antes”; “de que adianta mudar?”; “se eu o ignorar, talvez o problema desapareça”.
Há que se identificar o medo que se esconde atrás de uma série de falas e atitudes, tais como: “ainda não estou pronto(a)”; “posso falhar”; “eles poderão me rejeitar”; “o que os outros vão pensar?”; “estou com medo de contar a...”; “não quero que ninguém saiba que eu tenho um problema”; “tenho medo de expressar meus sentimentos”; “não quero conversar sobre isso”; “não a tenho energia necessária”; “posso perder minha liberdade”; “é difícil demais”; “não tenho dinheiro agora”; “eu poderia perder meus amigos”; “não confio em ninguém”; “isso pode prejudicar minha imagem”; “não sou bom(boa) o bastante” etc.
Os relatórios do Serviço Social servem para evitar falhas de memória, registrar quem procurou o atendimento, favorecendo o acompanhamento da situação do usuário e possibilitando a supervisão e a avaliação do processo desenvolvido junto a este.
O registro de uma entrevista, via de regra, contém dados de identificação do usuário numa folha de rosto, o desenvolvimento da situação que envolve o mesmo e os demais atendimentos realizados e o sumário (resumo de tudo o que foi dito). Cabe lembrar aqui a crítica feita por Veloso (1995), para quem a “folha de rosto” é mais um instrumento de controle, disciplina, de intromissão na vida dos sujeitos, do que propriamente uma ajuda efetiva através de uma prática profissional competente e de qualidade.
O relatório de uma entrevista deve conter uma descrição objetiva, com anotações sobre quem encaminhou o usuário ao Serviço Social, a linguagem, a maneira de falar e de se comportar do usuário (quando significativas). A descrição da problemática deve ser vista do ponto de vista do usuário, contendo as circunstâncias que o caracterizam (o que ele pensa sobre o problema e seus sentimentos em relação a isso; as tentativas que ele fez para resolvê-lo; e como ele encara o fato de estar pedindo auxílio). O registro deve acontecer após o atendimento oferecido e as reações do usuário a isto. Registram-se também os fatores externos como pessoas ligadas à situação e, por fim, as modificações observadas na atitude do usuário ou na situação, como modo de favorecer à tomada de decisões (por parte do usuário e por parte do assistente social) no tempo estipulado para este fim.
Os tipos de documentos (de correspondência) mais utilizados pelo Serviço Social no contexto institucional são: cartas aos usuários, lembrando-lhes que eles têm direitos e deveres no exercício de sua cidadania, podendo comparecer, quando o desejarem a entrevista, a reunião, a palestra ou a algum outro evento de relevância para as suas vidas. Também podem fornecer informações sobre os direitos sociais, contidos nas políticas públicas e os critérios de acesso e de denúncia, caso os mesmos sejam violados no âmbito institucional e/ou fora deste. Nesse caso, visitas institucionais nos possibilitam acessar e reconhecer os recursos comunitários e institucionais que dão suporte à ação profissional.
Também podem ser endereçadas cartas a órgãos governamentais ou administrativos, fazendo pedidos de informação, ou informando dados relevantes sobre as sistematizações feitas no âmbito das políticas públicas, que reflitam sobre as manifestações da questão social, os níveis de desigualdade social e o perfil da população usuária de determinados serviços, como forma de fomentar possíveis parcerias ou mesmo argumentar a necessidade de fiscalização da garantia de direitos profissionais e/ou dos usuários no âmbito das políticas públicas (envolvendo órgãos como a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o Ministério Público, Conselho Regional/ Federal de Serviço Social, os Conselhos de Direitos e Políticas Públicas etc.). Isso deve se dá mediante a exposição dos elementos mais significativos da situação vivenciada no âmbito da instituição, observações e análises, citando inclusive argumentos fundamentados em legislações, regulamentações e resoluções. Isso supõe conhecimento das mesmas.
Há cartas elaboradas pelo assistente social a outros assistentes sociais, que podem ser da mesma instituição ou não, sempre tendo caráter confidencial, porque geralmente é relação à situação de algum usuário, com pedido de colaboração ou informação.
O pedido de informação é feito através de um papel de circulação interna (só na instituição), não é verbal; e deve ser copiado e assinado por quem o receber no âmbito institucional, devendo ser arquivado em local seguro, podendo servir futuramente de comprovante em qualquer processo envolvendo o profissional.
O parecer é uma informação mais longa, mais substanciosa que a simples informação, porque define uma situação. Trata-se de uma opinião técnica, sobre uma determinada situação, geralmente requisitada por outros profissionais ou por autoridades das mais diferentes áreas, como do judiciário, da saúde, da previdência, da educação, entre outras.
Outros documentos que precisam ser conhecidos, no âmbito institucional, são:

-Memorando: utilizado pela chefia de seção ou autoridade semelhante para fazer advertência, transferir funcionários, pedir algum auxílio para a execução de tarefas referentes ao projeto em execução;

-Circular: é o meio de correspondência oficial, pela qual a autoridade superior se dirige, ao mesmo tempo, a várias repartições ou em sentido mais restrito; é instrução escrita, de caráter geral;

-Ata: é o resumo escrito dos fatos e ocorrências, resoluções e decisões de uma assembléia, sessão ou reunião;

-Ofício: correspondência trocada pelos diretores de repartições e outras autoridades, não em seu nome pessoal, mas em função do cargo que ocupa. Além das repartições, se correspondem por ofício pessoas jurídicas de direito privado, como agremiações esportivas ou recreativas, associações filantrópicas, etc.
Quando somos capazes de decodificar um conjunto de questões que se colocam em nossa prática, num determinado momento, certamente somos capazes de descobrir o extraordinário sobre o ordinário e sobre o trivial cotidiano. Para tanto, precisamos, antes de tudo, elaborar conscientemente nossa posição e discernir o que permitimos que os outros fizessem conosco (no cotidiano das instituições em que trabalhamos) e o que fazemos disso, porque não somos objetos de poder, tão somente. Somos também sujeitos desse poder, ainda que muitas vezes não lidemos com ele de forma consciente. Reverter o curso de nossa história, mudar a trilha depende de nós, das escolhas que nós fazemos – afinal, somos livres para decidir nossas vidas.

I-Considerações finais:
Que escolhas temos que fazer para uma nova experiência no Serviço Social? Quais são as “possibilidades ocultas” nos próprios limites que enfrentamos? O que ainda não foi partilhado na construção da técnica, na manipulação do instrumento, na elaboração do saber, que nos desperta a reconstrução de nosso objeto de intervenção? Objeto este que se manifesta empiricamente, que pode ser elaborado teoricamente e particularizado no cotidiano de nossa inserção profissional, dando legitimidade a nossa identidade em construção.
A sistematização tem como ponto de partida a busca de referenciais teórico-metodológicos, que orientarão o estudo das situações, prevendo seus limites e suas possibilidades, propondo objetivos, definindo estratégias de ação, com re-conhecimento do objeto de intervenção profissional e dos resultados que vão sendo alcançados a cada momento. Isso pressupõe um estudo apurado das demandas sociais, institucionais e profissionais, com o foco voltado para a reconstrução do objeto da intervenção profissional (Baptista, 2000).
Para Netto (1989, p. 150), a sistematização da prática traz para a profissão a possibilidade de otimizar sua própria intervenção prática, organizando e generalizando a experiência dos assistentes sociais e cristalizando pautas de procedimento profissional, reconhecidas como tais e transmissíveis via formação institucional. Por outro lado, é um passo necessário para o embasamento profissional, na medida em que viabiliza o movimento de constituição de uma elaboração teórica particular ao objeto sobre o qual incide a ação profissional.
Estamos falando do Serviço Social como uma profissão que tem por base uma ação contínua sobre um conjunto de situações, em um determinado momento histórico, que está envolvida por atos decisórios, ordenados em momentos definidos e baseados em conhecimentos teóricos, científicos e técnicos. Somos desafiados por uma complexidade de problemas que exigem de nós não apenas reparações e arranjos institucionais, mas, sobretudo conhecimento profundo de sua origem e desenvolvimento no campo das relações sociais, políticas, econômicas e culturais e da intenção dos que os abordam.
Temos acesso, no âmbito do Serviço Social, a uma série de dados empíricos, relacionados às condições de vida e de reprodução da população, à implementação cotidiana das políticas sociais, às características culturais e políticas dos diversos segmentos sociais. Podemos passar anos sem trabalhar esses dados, sem investigar, sem sistematizar e sem produzir conhecimentos sobre os mesmos.
No entanto, interpretar a realidade da qual fazemos parte, juntamente aos sujeitos usuários do Serviço Social, se constitui um processo interventivo, que deveria nos demandar um conhecimento a priori dessa mesma realidade, como forma de ressignificar espaços; pensar coletivamente alternativas de enfrentamento da questão social; redescobrir potencialidades; associar experiências; buscar construir identidades coletivas, respeitando a diversidade, no campo da igualdade jurídico-política, dando visibilidade às fragilidades para tentar superá-las; desvendar bloqueios, contradições, processos de alienação; revigorar energias, vínculos, potencial organizativo, reconhecendo espaços de pertencimento, através de vínculos formais e informais de cidadania. Mas, sem conhecimento, pouco ou nada podemos de fato. Isso porque todas essas finalidades só serão alcançadas quando o assistente social se debruçar sobre os dados e informações que gera, através de uma série de procedimentos interventivos (entrevistas, reuniões, visitas domiciliares, etc.), para organizá-los e analisá-los, a partir de uma postura crítico-investigativa.
A sistematização recobra a dimensão intelectual da atividade profissional, na medida em que põe em marcha uma reflexão teórica sobre alguma dimensão da experiência, podendo reordená-la, colaborando para que novas técnicas sejam operacionadas em consonância aos objetivos propostos e ao aporte teórico-metodológico.
Talvez seja preciso demarcar aqui que, na perspectiva dialético-crítica, a centralidade é atribuída à finalidade e não ao instrumental em si mesmo. Marx (1993, p.12)já havia alertado para o fato de que é na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, a realidade, o poder e o caráter terreno de seu pensamento.
A sistematização pode significar muitas coisas para o assistente social, desde autonomia até legitimidade no espaço em que atua, passando, logicamente, pelo reconhecimento dos limites, avanços e contribuições efetivas do Serviço Social no processo de construção da cidadania. O importante é construir, no âmbito da própria rotina institucional, espaço para investigação e socialização de experiências, que mostre os procedimentos mobilizados como potencializadores e problematizadores das questões relativas ao trabalho do assistente social.
Por trás de tudo isso está, logicamente, uma concepção de profissão, de instituição e de sociedade que, do nosso ponto de vista, é tensionado por necessidades e interesses diversos. A direção a ser dada a sistematização dos dados e informações reforça um determinado projeto de manutenção ou de transformação das relações entre assistente social e usuário da política social e da instituição, entre estes e a instituição, entre estes e a sociedade, entre estes e o Estado. Ao problematizarmos estas relações, devemos estar prontos para o debate e o embate que temos que travar e enfrentar as conseqüências objetivas e subjetivas nestas relações que instituímos de fato, quando damos início ao processo de sistematização da prática. A clareza disso deve acontecer do ponto de vista teórico, político e ético.
Como podemos analisar, pode existir, nos procedimentos interventivos do assistente social, a predominância de um dispositivo informacional fechado e mutilador de um efetivo debate e embate no processo grupal. Nesse caso, há um tipo de “participação consentida”, na medida em que os discursos servem mais para a confirmação e o reforço da ideologia instituída e veiculada pelo assistente social. (Veloso, 1995).
Para esta autora, o uso de estratégias e recursos técnico-operativos deve permitir a coexistência da concórdia e da discórdia, do consenso e do dissenso. É preciso transformar o âmbito profissional num espaço onde se dê um processo efetivo de negociação, tensão e resistência.
A produção e a reprodução de idéias e valores, ideologias, culturas, representações morais não são construídas fora dos espaços das condições de vida e de trabalho das classes.
Precisamos ter claro que nossa memória tanto pode acompanhar quanto resistir às mudanças. O fazer ou não fazer a sistematização de nossa prática é uma decisão nossa, mas não podemos perder de vista a natureza interventiva do Serviço Social, pois a memória de nossa profissão não registra tão somente o que aconteceu no passado, como também aquilo que deixou de acontecer, mas também aquilo que poderia ou deveria ter acontecido.

Bibliografia:
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sábado, 11 de outubro de 2008

Sugestão de Filme

Olá!!!O post de hj é para sugerir um filme muito interessante principalmente para os profissionais que lidam com a área da educação!!

"ESCRITORES DA LIBERDADE"(Freedom Writers, EUA, 2007) aborda o desafio da educação em um contexto social violento e problemático.É um filme que merece ser visto sobretudo pela sua ênfase no papel da educação como mecanismo de transformações individuais e comunitárias.Ele aborda várias questões, comprovando que uma realidade é sempre rica quando vista com um olhar crítico!!!

Fica a sugestão...quem puder assistir...

Abraços